quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

HISTÓRIA SIMPLES DE UM "SIMPLES" SER HUMANO




HISTÓRIA SIMPLES DE UM “SIMPLES” SER HUMANO

 

David Iasnogrodski – escritor, engenheiro, administrador – david.ez@terra.com.br

Sou um "flanelinha"
 

Sou um “flanelinha’.

Nem sei porque me chamam assim.

Acredito até que seja em função de que em outros tempos, eu tinha na mão um “paninho” para limpar os vidros dos carros que passavam no meu “ponto”.

 

Hoje já não uso esse “equipamento”.

Tenho um mais moderno. Igualzinho aos dos frentistas dos postos de combustível.

Meu equipamento é igual a dos frentistas dos postos de combustível
 

Não estou aqui para falar da minha “profissão”. Trabalho como muitos mais de 8 horas por dia. Não tenho carteira assinada. Sou um “profissional autônomo”. Não ganho hora extra. Claro que quando chove, eu fico em casa. Nos finais de semana estou “passeando” com minha família. Nos feriados, nem sempre compareço no meu ponto de trabalho, pois não adianta nada. Diminui muito o movimento dos veículos...

 

Acharam engraçado eu dizer que vou passear com minha família? Sim, tenho família. Mulher e dois “lindos” filhos. São ainda pequenos... Mas são muito lindos. Se parecem mais com a mãe deles... Vão estudar. Vou colocá-los na escola. Terá que ser na escola pública. Não vou ter o dinheiro suficiente para que eles estudem em escolas particulares. Atualmente estas escolas são melhores, mas eu, infelizmente, não tenho o dinheiro para sustentá-los na escola particular. Quem sabe um dia posso melhorar o meu rendimento... Quem sabe... A gente nunca sabe como será o dia de amanhã...

 

Atualmente moro embaixo de uma ponte de madeira. Acredito que, mais adiante, como as “coisas” estão melhorando eu me mudarei para uma ponte de concreto. É melhor. Não tem muita goteira... Esse fato é muito ruim, principalmente no inverno... Mas tenho a certeza que irá melhorar. Tenho fé...

 

Espero que, ao menos, um de meus filhos, seja médico. E médico do SUS. Assim ele poderá tratar melhor dos meus “colegas de trabalho”. É difícil a gente conseguir uma ficha “nesse” SUS. Acredito que se o meu filho fosse médico, ele conseguiria melhorar “um pouco” essa situação. Afinal ele está vindo debaixo de uma ponte...

 

Mas...

Vou levando a vida!

 

Ainda, se Deus quiser, serei “dono” do meu ponto de trabalho. Sabem porque digo isso? Pago aluguel pelo ponto onde exerço minhas atividades profissionais. Eu não sou dono, mas não posso me queixar. Acredito que logo, logo terei junto a mim uma máquina de cartão de crédito. 
É o meu sonho! Sei que vai melhorar... É a modernidade na minha profissão... Assim acredito que muitos poderão “contribuir” com mais dinheiro para minha profissão e também “muitos ao passarem por mim não dirão que não possuem o trocadinho”. Sei, que muitas vezes as “moedinhas” estão em falta. Estão escassas!. Com a maquininha do cartão de credito eles poderão, tranqüilamente, me dar o “dinheirinho” sem precisar dos trocadinhos. Acho que seria uma boa! Procuro sempre realizar meu “serviço” com qualidade. A água está sempre limpinha. O sabão também é de qualidade... Não se pode perder cliente por problemas de serviço mal feito... Assim eles não voltam... Isso eu aprendi com um cliente meu que é professor de faculdade...

 

Assim levo a vida...

Assim digo a meus filhos na janta, pois na minha, casa nesta refeição, é o momento de união da família: rezamos todos os dias e após comemos. Todos os dias, antes de chegar em casa, passo no “mercadinho” para comprar pão, leite e margarina. Isso não pode faltar nunca. Até é bom para as crianças. é vitamina.

 

Tenho caderneta de poupança. Abri até para meus filhos quando nasceram. É o grande presente que estou deixando para eles. Passo no banco todas as semanas para colocar um “pouquinho” da sobra do meu trabalho. Assim ensino a meus filhos que é importante poupar para o dia de amanhã... Minha esposa fica na “ponte” realizando as lides domésticas: lavando roupas, arrumando o nosso “cantinho” e ajudando as crianças a crescer...

 

A vida é difícil, mas me acostumo.

Não tive outra oportunidade de crescer...

Não tive oportunidade de estudar.

Muitas vezes eu desejei, mas tinha que trabalhar... Trabalho na minha profissão desde criança.

Sempre fui um “flanelinha”.

 

Não é fácil.

Pedir!

Pedir!

Pedir!

 

A maioria das vezes eu não consigo nada!

Hoje, em dia, já tenho meus “clientes”. São considerados “clientes fiéis”.

Muitas vezes vêm de longe para que eu faça o serviço nos pára-brisas dos carros deles. Me alcançam a “moedinha”. E eu agradeço. Não esqueço nunca de dizer: “Muito obrigado”.

 

Digo sempre aos meus filhos: “Agradecer sempre tudo que vocês ganham”. Não esqueçam de dizer: “Muito obrigado”. Isto é educação. É tudo que os pais deixam aos filhos... É o máximo que os pais podem deixar aos filhos.

 

Chega de falar.

Já estou perdendo muito tempo.

Tenho que me dirigir ao trabalho, senão...

Bem, senão não vou ter o “leitinho” das crianças...

Os clientes me esperam...

“O pão de cada dia está me esperando”...Sem trabalho não há sobrevivência.

 

Agradeço a oportunidade de falar um pouco de mim e de minha “profissão”.

Sei que não é das melhores, mas no momento é ela que dá o meu sustento e de minha família.

Digo mais uma vez: não quero que meus filhos sigam minha profissão. Desejo que eles estudem e sejam “um” outro tipo de profissional, mas que não esqueçam “nunca” do seu passado...

 

Desejo agradecer a você a oportunidade desta entrevista.

Sei que muitos irão lê-la.

Sei que muitos, talvez, até já tiveram a oportunidade de me ver no trabalho.

Tenho, agora, até uniforme. Cuido bem dos automóveis.

Obrigado pela oportunidade.

Sou simples.

Sou um ser humano.

Sou um “simples” ser humano. Iguais a vocês.

Também são simples.

Também são seres humanos.

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